Fazia seis semanas desde que Aaron acordara e por isso, já não tinha a necessidade de o vigiar a maior parte do dia. Ele estava independente e solto de movimentos. Cada um de nós tinha uma tarefa no dia de hoje.
Escolhia os cogumelos castanhos, mesmo ao lado de um enorme vermelho, sarapintado de branco, que cativava a minha visão com a sua cor maldosa e enganosa.
Tinha a intenção de fazer um guisado para o almoço e por isso fora apanhar deliciosos fungos, enquanto Aaron caçava um animal para juntar ao prato. Não acreditava que ele fosse capaz de encontrar algo maior que coelhos. Os veados e animais de maior porte tinha fugido e demorariam a voltar para a floresta. No entanto, apesar da terrível catástrofe que se abatera, os seres vivos voltavam pouco a pouco e povoam novamente este local magnífico.
Caminhava para casa, em direção ao sol nascente quando vislumbrei uma sombra pela minha visão periférica. Foi uma fração de segundo, mas tinha a certeza de que a vira. Vasculhei em meu redor, à escuta também, em busca de um restolhar de folhas, por mais ínfimo que fôsse. Só ouvia os pássaros a chilrar e zumbidos de pequenos insetos à minha volta. Nada de sombras, nada que se parecesse humano, nada de estranho.
Prossegui o meu caminho, atenta a cada espaço, árvore, arbusto, buraco, tronco, ramo. Nada estava fora do lugar e no entanto, algo no ar me fazia notar a violação que aquele vulto provocara no equilíbrio e harmonia da floresta.
Apressei o passo, dando por mim a correr de quando em vez. Tentei respirar fundo e acalmar o meu coração que batia fortemente no meu peito apertado. Pretendia convencer-me de que estava a alucinar, de que ao fim de meses a ser perseguida, esta era apenas uma partida da minha mente traumatizada. Ah como queria que isso se tornasse realidade e no fundo sabia que não era possível.
Localizei a casa a uns quantos metros de mim e por isso abrandei. Olhei por cima do ombro e parei, subitamente, para observar.
Do meu lado esquerdo vinha um som confortante e familiar. Fitava o sentido do som, até aparecer a origem do mesmo. No meu peito, um fenómeno estranho tomou lugar, como se o meu músculo motor tivesse sido comprimido repentinamente e quando solto, fez explodir felicidade dentro de mim.
O sorriso de Aaron tornou-se o centro de toda a minha visão.
-Consegui caçar dois coelhos, espero que chegue.
-Eu apanhei uns quantos cogumelos e ainda umas bagas silvestres. Dá para algumas refeições - apressei-me a terminar a frase, percorri a restante distância que nos separava e peguei-lhe no braço em direção a casa.
Ele franziu-me o sobrolho, mas isso não me impediu de continuar a puxá-lo. Subimos as escadas o melhor e mais rapidamente que conseguimos, enquanto carregávamos os nossos alimentos e assim que senti chão debaixo dos meus pés, precipitei-me para o quarto, onde tinha o bastão. Empunhei-o, atenta à perturbação existente no ar.
-Que se passa, Kayleigh?
Pedi-lhe que se mantivesse em silêncio para me concentrar. Dei por ele a pousar tudo na bancada da cozinha e a observar-me preocupado.
Num segundo quase imperceptível, o que quer que tivesse sentido, esvaiu-se por completo. Senti alívio e desilusão por não ter sido rápida o suficiente a detetar o que quer estivesse errado. Suspirei pesadamente e deixei-me cair na cama, atordoada. Levei a mão à testa e inspirei fundo. A vibração dos passos de Aaron em direção a mim tornou-se mais forte, até ele parar mesmo em frente à minha face. Lia-lhe aflição na expressão dos olhos.
-Está tudo bem - assegurei-lhe. - Não passou de um falso alarme.
-Podes dizer o que quiseres, mas não acredito nessa mentira - rematou, enquanto se levantava e me beijava levemente a testa com os seus lábios de veludo.
Peguei-lhe na mão e entrelacei os dedos nos dele. Apertei-os até sentir os nossos ossos esmagados uns contra os outros. Não queria que aquele toque terminasse. Uma única lágrima escorreu pela minha bochecha e sequei-a com as costas da minha mão livre. Não sabia o que se passava e só queria compreender o que fora que sentira de tão negro.
Ele puxou-me para cima e abraçou-me com força, as suas mãos na base das minhas costas e as minhas sobre os seus ombros. Não sei quanto tempo ficámos assim.
-Beija-me - murmurei-lhe.
Ele obedeceu tranquilamente e envolveu-me no seu corpo forte e seguro. Senti que podia estar dentro dele de tão perto que estávamos os dois.
Os lençóis ganharam forma debaixo de mim e deixei-me levar e guiar pelos seus membros que pareciam estar em todo o lado. Colei os meus lábios ao seu pescoço e percorri um troço até ao seu ombro. Ele estremeceu. Os seus dedos deslizavam na minha pele das costas, provocando pequenos e saborosos arrepios. O quarto fora invadido por magia.
***
Estava a colocar o guisado ao lume quando dei por mim a levar a mão ao ventre e afagá-lo. Já há uns dias que desconfiava, mas naquele momento tive a certeza. Uma catadupa de dúvidas choveram para cima de mim e senti as minhas pernas tremerem. Tinha de contar ao Aaron. Mas e se ele não aceitasse? E se achasse que não era um bom momento? E se...? E se...?
A sua voz arrancou-me dos meus pensamentos:
-Kayleigh...
-Diz-me.
-O que se passa?
Virei-me, após mexer o preparado e certificar-me de que fervia. Fui sentar-me junto a ele à mesa, onde ele dobrava roupa e momentos antes preparara a carne que agora cozia.
Olhei para as mãos e mexi-as descontroladamente. Ele pousou uma das suas enormes por cima das minhas para me acalmar. Peguei nela e levei-a à minha barriga. Olhei-o nos olhos.
-Vais ser pai - foi tudo o que consegui articular.
Os segundos seguintes foram talvez os mais longos de toda a minha vida e tudo pareceu parar. A sua boca moveu-se vagarosamente e quase podia contar os batimentos cardíacos de ambos.
-Eu achei que fosse ter mais tempo... Eu pensei que ainda tivesse mais uns meses... Oh meu Deus.
A resposta que me dera não fora o que esperava e pareceu-me um murro no estômago. As lágrimas assomaram-se nos meus olhos.
-Aaron - a minha voz era frágil e trémula.
-Oh meu amor! - foi tudo o que me disse antes de desaparecer para o quarto e vasculhar algo debaixo da cama.
Voltou com o vestido turquesa que vira no mercado, o vestido turquesa que colocara ao pé da minha campa e que eu nunca me lembrara de ir buscar. Aparentemente ele tinha-o feito por mim, num qualquer dia que fora caçar, sem que eu desse por isso. Pousou-o na mesa e empurrou-o na minha direção. Pegou-me ao colo nos seus braços e pude senti-lo soluçar de comoção.
-Eu vou ser pai! - gritou, olhando-me de cima a baixo - Vamos ter um bebé! És linda! És maravilhosa!
Levou a sua mão à minha barriga uma vez mais e sorriu-me tolamente, inclinando-se para me beijar.